De volta às fontes do evangelho.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Série Expondo a escritura: Combatendo as heresias e falsos mestres

09:28 Posted by Unknown No comments

Por Paulo Ulisses

 
 Observando o cenário "evangelical" e percebendo a necessidade de aprender mais sobre o que a palavra de Deus diz a respeito dos falsos mestre e suas heresias, preparamos uma breve análise sobre a epístola que escreveu São Judas, devido a sua concentração de exortações nesse campo. Como se trata de uma carta de único capitulo, observaremos todo o escrito.

"Judas, servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago, aos chamados, santificados em Deus Pai, e conservados por Jesus Cristo:
Misericórdia, e paz, e amor vos sejam multiplicados".
Judas 1:1,2

    No versículo 1, temos uma rápida apresentação do autor. Acreditamos que apesar do nome "Judas" ter sido muito popular na época neo-testamentaria, pela referência "e irmão de Tiago" é seguro crer que o autor é um dos meios-irmãos Jesus Cristo que consta na lista de Marcos 6;3. Apesar dessa informação, Judas não usa seu parentesco com Nosso Senhor para com isso validar a autoridade de sua carta, pelo contrário, ele inicia sua identificação como sendo "servo de Jesus Cristo" (um costume muito comum por exemplo nas cartas paulinas, demonstrando humildade), mas lembra que é irmão de Tiago, um expoente no ensino da igreja ao lado dos apóstolos. Logo em seguida ele apresenta o destinatário de seus escrito: "...aos chamados, santificados em Deus Pai, e conservados por Jesus Cristo". É nítido que ele não determina um destino específico a sua carta, mas abrange várias igrejas de uma determinada região. No versículo 2, o escritor faz seus votos: "Misericórdia, e paz, e amor vos sejam multiplicados.
   Vale a ressalva de que o início da carta em si já revela a intenção de assegurar aos leitores sua condição, e com isso também demonstra que esse será o tema a ser desenvolvido em toda a carta.

   Para sintetizarmos as informações, faremos uma divisão, que acreditamos já esta explícita no texto.

                                 1ª Divisão: Combate aos falsos irmãos e falsos ensinos (Versos de 3 a 16)
                                 2ª Divisão: Aconselhamento pastoral (Versos 17 a 25)

   1 - Combate aos falsos irmãos e falsos mestres
 
 "Amados, procurando eu escrever-vos com toda a diligência acerca da salvação comum, tive por necessidade escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos". (Verso 3)

    Judas exibi nesse verso 3 uma mudança de planos na compilação inicial do manuscrito. Ele a principio parece ter decidido escrever à igreja sobre a "comum salvação", mas parece ter mudado de ideia percebendo a urgência em aconselhar os irmãos a combater os falsos ensinamentos junto com seus mentores, defendendo a fé que foi entregue de uma vez por todas a eles. A palavra fé aqui, tem uma conotação de o conjunto de doutrinas e credos que compõem a verdadeira religião em Cristo Jesus, devemos lembrar que o teor da carta é apologético, tendo em vista isso será mais fácil compreender o sentido das palavras.

"Porque se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo". (Verso 4)
 
. Nesse trecho o autor começa a discorrer sobre a personalidade dos falsos mestres que estavam se infiltrando na igreja pregando heresias, e revela suas índoles. Em algumas traduções nos deparamos com o termo "dissimulação" como é o caso da almeida revista e atualizada. Tal afirmação remete o pensamento de que os que assim procediam, não vinham ao convívio da igreja exibindo claramente suas intenções de perverterem a sã doutrina, mas travestiam seus argumentos com aparentes "verdades". Mais adiante veremos mais claramente essa questão. Nos deparamos no texto com uma afirmação bastante peculiar: "que já antes estavam escritos para este mesmo juízo". Esta sentença nos indica que Deus já havia determinado que estes tais falsos mestre seriam condenados por essa perversão ao evangelho do Reino. É importante salientar isso, pois, Judas deixa bem claro o nível de reprovação que o Senhor tinha por pessoas que tais obras faziam, prevenindo os irmãos da igreja de terem qualquer dúvida que os pudesse inclinar a dar ouvidos a esses falsos mestre, destacando que não haverá misericórdia para os mesmo, numa que desde o princípio esses tais estão sob juízo condenatório, e são por isso irrecuperáveis. Já aplicando este versículos a nós, muitas vezes nos deparamos com a situação de que percebemos o erro claro na pregação de alguns homens, mas queremos estender-lhes o braço de misericórdia. Alguns de fato, quando confrontados percebem o erro e mudam seus corações para a verdade da escritura, mas devemos sempre ter em mente que outros como no caso do contexto em que Judas se encontra, são pessoas que endureceram seus corações e são irreconciliáveis como diz o apóstolo Paulo ao jovem presbítero Timóteo em 2Tm 3:3.  
    O erro que estava sendo disseminado por esses homens era a libertinagem para com a graça de Deus. Pregavam que; se a salvação é pela graça somente, poderíamos sem culpa viver nossas vidas sob nossas próprias rédeas, sem qualquer pesar de pecado, pois foi a obra de Cristo que nos salvou, e não nossas próprias ações. O termo "libertinagem" usado, se vale de uma conotação sexual, indicando que os hereges estavam interessados em perverter o ensino dos apóstolos fazendo crer que os irmãos poderiam levar uma vida adúltera, prostituta e devassa e ainda sim, estar em paz com Deus pois a salvação não depende deles, o que em hipótese alguma condiz com a verdade bíblica, como por exemplo escreve Paulo em sua carta aos romanos 6:1-2 "Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde? De modo nenhum. Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda para ele?". Esse viés de pensamento revela também a 'não regeneração' de tais homens, vendo que estavam ainda apegados as práticas mundanas, pois era comum na época nos cultos pagãos  o sexo explícito, adultério entre outras formas de perversão ao ato sexual. 

"Mas quero lembar-vos, como quem já um vez soube isto, que, havendo o Senhor salvo um povo, tirando-os da terra do Egito, destruiu depois os que não creram; E aos anjos que não guardaram seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao juízo daquele grande dia; Assim como Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se entregue à fornicação como aqueles, e ido após outra carne, foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno". (Versos 5,6 e 7)
  
   Os versos a seguir como destacados, demonstram exemplos que por sua vez clarificam exemplos de pessoas que tentaram perverter a graça de Deus, ignorando os preceitos e ordenanças que o Criador receitou para seu povo. O primeiro é o povo que foi tirado da terra do Egito por Deus. Depois de o Senhor os ter livrado da casa da servidão com braço forte, de os ter provido no deserto com inúmeras bençãos e efetuando tantos milagres, o povo voltou-se para a idolatria e outros pecados. Notemos que Judas usa o termo "os que não creram", fazendo entender que, crer aqui tem o sentido de obediência e andar em retidão diante de Deus, tendo temor por Ele e seus mandamentos. Por consequência, foram destruídos. Em seguida Judas lembra os irmãos do que aconteceu com os próprios anjos, que estando em seus "status", não honraram a graça do Senhor querendo ser iguais ou maiores do que Deus, se unindo ao então Lúcifer, na tentativa de acender acima do Pai todo-poderoso. Seus fins foram serem expulsos do céu, caindo de seu estado, e sendo condenados ao tormento eterno. Por último, o autor usa as cidades de Sodoma e Gomorra como exemplo. É fácil perceber a ligação final do exemplo, se observarmos que Judas combate os libertinos, que pretendem incutir na mente dos irmãos a liberalidade sexual, talvez por isso o escritor tenha usado esse último exemplo para exortar os irmãos, pois sabemos que ambas as cidades foram também dizimadas pela truculência de seus pecados, através da homossexualidade, fornicação e outros, e foram assim postas como exemplos para quaisquer outros que calculem proceder da mesma maneira.

"E, contudo, também estes, semelhantemente adormecidos, contaminam a sua carne, e rejeitam a dominação, e vituperam as dignidades". (Verso 8)
  
   Nesse trecho Judas incrementa sua exortação, apontando um fato interessante. Em algumas traduções vemos Judas referir-se aos falsos mestre como "sonhadores alucinados". Provavelmente ele o faz tendo em vista que os hereges se valiam de sonhos e revelações para dar ênfase as suas palavras, além de por intermédio dessas ditas "revelações", eles alegavam terem maior eminência e importância que os apóstolos já que as recebiam "pelo próprio Deus". A demais do ensino torpe, não condizente com a doutrina dos apóstolos, tampouco sustentada pela escritura, a própria rebelião e tentativa de solapar a autoridade apostólica, renega ao status heresia o ensino desses falsos mestres. Além do que sabemos bem, que a escritura é a palavra de Deus, e que apenas ela é juiz sobre nossa vida, tornando-se então a voz inerrante e autoritativa sobre todo aquele clama o nome de Deus, e que nenhuma revelação (por mais que pareça verdadeira) pode servir de paradigma para qualquer questão de fé. Eles contaminavam a carne através da libertinagem que promoviam, e tentavam minar a autoridade dos líderes da igreja, com o fim de auto-promoção.


Mas quando o arcanjo Miguel, discutindo com o Diabo, disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar contra ele juízo de maldição, mas disse: O Senhor te repreenda
Estes, porém, blasfemam de tudo o que não entendem; e, naquilo que compreendem de modo natural, como os seres irracionais, mesmo nisso se corrompem.
Ai deles! porque foram pelo caminho de Caim, e por amor do lucro se atiraram ao erro de Balaão, e pereceram na rebelião de Coré.
Estes são os escolhidos em vossos ágapes, quando se banqueteiam convosco, pastores que se apascentam a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos; são árvores sem folhas nem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas;
ondas furiosas do mar, espumando as suas próprias torpezas, estrelas errantes, para as quais tem sido reservado para sempre o negrume das trevas.
Para estes também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor com os seus milhares de santos,
para executar juízo sobre todos e convencer a todos os ímpios de todas as obras de impiedade, que impiamente cometeram, e de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele proferiram.
Estes são murmuradores, queixosos, andando segundo as suas concupiscências; e a sua boca diz coisas muito arrogantes, adulando pessoas por causa do interesse.
Judas 1:9-16
 
  A partir daqui, São Judas inciar seu desabafo, num combate franco e direto aos inimigos da sã doutrina. Toda a carta de Judas passou por um enorme problema de aceitação, devido ao uso que ele faz de documentos considerados apócrifos, como na citação do manuscrito "Assunção de Moisés", onde é relatado a narrativa de que, quando Moisés morreu, Deus o teria sepultado no monte. Satanás no entanto, reclamou seu corpo sob acusação de que, por ter matado (o egípcio), pertencia a ele. Deus por sua vez enviou o Arcanjo Miguel para informar o diabo que Moisés teria sido perdoado e que portanto, ele não teria qualquer poder sobre o corpo do servo de Deus. O fato para o qual Judas destaca importância é, que mesmo estando sob as ordens de Deus e portanto, com a razão, Miguel não insultou Satanás, mas apenas disse: "O Senhor te repreenda.". No versículo seguinte ele continua dizendo: "Estes, porém, blasfemam de tudo o que não entendem;", condenando a atitude dos falsos mestre, que se portavam de pior forma que Satanás, pois não compreendendo a vontade de Deus por meio da graça, blasfemam da mesma, se opondo a ela e incitando os irmãos a os seguirem.
   Durante todo o trecho Judas segue confrontando os dissimulados, com dureza, expondo seus comportamentos rebeldes e libertinos. Até que no versículo 14 ele cita outro documento considerado apócrifo, desta vez numa narrativa pessoal de Enoque, que por sua vez também faz uma afirmação de condenação aos ímpios, que se rebelam contra Deus em suas atitudes. Devemos absorver o conhecimento de que o fato de Judas ter citado documentos apócrifos, não canoniza estes, mas apenas os trechos usados, pois aprouve a Deus introduzi-los em sua palavra por intermédio de Judas, para corroborar o que está sendo dito por meio dele. A informação de que esse hereges têm apenas a intenção de auto-promoção procede do versículo 16, onde vemos a expressão: "e a sua boca diz coisas muito arrogantes, adulando pessoas por causa do interesse.". A adulação em questão remete ao ensino deles, que ao vez de confrontar o pecado e apontar para Cristo e o perdão que Ele oferece, agrada aos ouvidos e massageia o ego, numa que consiste em dar liberdade para que todos vivam da maneira que acharem melhor, e se lancem às práticas imorais que eles (os falsos mestre) desejam fazer.
      
2 - Aconselhamento pastoral

Mas vós, amados, lembrai-vos das palavras que foram preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo;
os quais vos diziam: Nos últimos tempos haverá escarnecedores, andando segundo as suas ímpias concupiscências.
Estes são os que causam divisões; são sensuais, e não têm o Espírito.
Mas vós, amados, edificando-vos sobre a vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo,
conservai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna.
E apiedai-vos de alguns que estão na dúvida,
e salvai-os, arrebatando-os do fogo; e de outros tende misericórdia com temor, abominação até a túnica manchada pela carne.
Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos ante a sua glória imaculados e jubilosos,
ao único Deus, nosso Salvador, por Jesus Cristo nosso Senhor, glória, majestade, domínio e poder, antes de todos os séculos, e agora, e para todo o sempre. Amém.
Judas 1:17-25

  
   Em contraste com o duro e arrojado tom exortativo, agora Judas dá lugar a um aconselhamento pastoral com um ar mais amável, como é perceptível no início do versículo 17: "Mas vós, amados...". Ele interpela mais uma vez trazendo informações a memória dos irmãos, no tocante as palavras anteriormente proferidas pelos apóstolos, que já alertavam a igreja sobre o aparecimento de alguns, que se infiltrariam no meio deles, mas que na verdade escarneciam da sã doutrina e da pessoa de Jesus Cristo, sendo homens apegados as paixões desse mundo, e dando lugar apenas as suas próprias concupiscências e desejos, destacando ainda mais o modo de identificação dos falsos mestres. No versículo 19, ele adverte que aqueles que tiverem práticas comuns à descrição feita por ele, eram de fato os que corrompiam a igreja com dissenções, e sobre tudo não possuíam o Espírito. Este outro identificador pode ser também compreendido através da lista do fruto do Espírito Santo que o apóstolo Paulo apresenta em sua carta aos gálatas 5;22. Logo os que fogem disso, e procedem segundo a analise feita pelo apóstolo Judas, devem ser veementemente combatidos (como ele aconselha logo no início da sua carta). Mais uma vez o autor se vale do termo fé para apontar o conjunto de ensinos de compõem o cristianismo, como lemos no versículo 20: "Mas vós, amados, edificando-vos sobre a vossa santíssima fé", embasando a credibilidade dos manuscritos dos apóstolos e líderes da igreja como palavra de Deus, meio pelo qual devemos nos santificar, e fonte onde podemos reter o que precisamos para andar em harmonia e obediência a Deus, e em amor com nossos irmãos. Em suas últimas palavras Judas encoraja os irmãos a se compadecerem dos que estão em dúvidas (verso 22), devido ao fato de que, frente ao discurso dissimulado e "agradável" alguns irmãos poderiam ter sua fé abalada, e serem tentados a se entregar ao falso ensino. No verso 23 ele insiste que os santos, livrem esses irmãos do fogo, fazendo alusão ao destinos dos que abraçam o que dizem os falsos mestres, e adverte os santos a se afastarem deles, repudiando até mesmo suas vestes que tocam a carne inflamada pela imoralidade e perversão de seus corações corruptos.
   Nos versos finais (versos 24 e 25), Judas emite uma palavra de paz e segurança para que os irmãos se assegurem de estar caminhando segundo a vontade de Deus, abraçando o ensino dos apóstolos. Ele diz: "Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos ante a sua glória imaculados e jubilosos", remetendo confiança em Cristo, pois ele os guardará do tropeço de cair em falsos ensinos e heresias, apresentando-os puros diante dele, e completa exclamando ditos de glória a Jesus Cristo.

   Nesta carta pequena, mas de indispensável importância, o apóstolo Judas, nos adverte a insistirmos no combate em defesa de nossa fé, contra homens maus e corrompidos no coração, que negam a Cristo como Senhor e sua graça tão preciosa, se valendo de heresias e falsos ensinos, que se apresentam de forma sútil e dissimulada na tentativa de se infiltrar na igreja causando doença e dúvida em nossos irmãos. Temos a segurança de salvação na pessoa de Jesus, mas de forma alguma essa segurança nos torna habilitados a andar segundo as nossas concupiscências e desejos, pois sabemos que ainda não fomos glorificados, portanto livres de uma vez para sempre da influência do pecado, e por isso, nossa vontade não é confiável. Devemos nos voltar cada vez mais a palavra de Deus, pois é ela que tem o poder para endireitar nosso caminho conduzindo a Cristo e por sua vez ao Senhor. É imprescindível manter-nos irrepreensíveis, para que possamos assim agradar ao Nosso Rei, sendo diligentes na obra e tendo amor a sua escritura, em obediência a Ele, e fraternos com nossos irmãos, ajudando-nos uns ao outros. Para tal, confrontarmos com a sabedoria de Deus e sua palavra, esses falsos ensinos e heresias que tentam contaminar nossas igrejas, arrastando-nos para um conhecimento superficial de Cristo, nunca foi tão imperativo quanto em nosso tempo. Que através das informações tão valiosas que este livro nos traz, possamos lutar o bom combate da fé, estando sempre prontos a defender nossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo.

Segui a paz com todos!






sexta-feira, 14 de agosto de 2015

OS MANDATOS CRIACIONAIS

11:53 Posted by JOÃO RICARDO FERREIRA No comments
OS MANDATOS CRIACIONAIS:
Rev. João Ricardo Ferreira de França.*
Introdução:
            O registro da revelação apresenta-se com três mandatos específicos Cultural, Social e Espiritual. Estes mandatos são os condutores da aliança de Deus com seu povo. Estes fios condutores da aliança configura a vida humana em sua totalidade. Dentro desta concepção insere-se a ideia da tríplice estruturada bíblica de uma cosmovisão que envolve: a criação, queda e redenção.
A tríplice estrutura e os mandatos criacionais são discutidos e apresentados pela Teologia Bíblica.  A definição desta ciência é a seguinte: “Teologia bíblica é aquele ramo da teologia exegética que lida como o processo da auto revelação de Deus registrada na Bíblia”.[1]  
Podemos assegurar que a cosmovisão [baseada na tríplice estrutura: criação, queda e redenção] é permeada pelos mandatos da criação como fios condutores do pacto de Deus com o homem. Diante disso passaremos a estudar as três ordenanças criacionais:
I – MANDATO CULTURAL.
            O que significa este mandato? Este mandato “acentua especificamente a relação da humanidade com o cosmos” [2]. A criação é o teatro da glória de Deus e o palco de nossa atuação.
Onde se fundamenta este mandato? A resposta encontra-se no texto de Gênesis 1.28: “E Deus os abençoou e lhe disse: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.”
            A primeira frase deste texto “sede fecundos, multiplicai-vos” – “significa desenvolver o mundo social: formar famílias, igrejas, escolas, cidades, governos, leis. A segunda frase - enchei a terra e sujeitai-a – significa subordinar o mundo natural: fazer colheitas, construir pontes, projetar computadores, compor músicas.” E se faz necessário insistir que a passagem em foco é “chamada de o mandato cultural, porque nos fala que nosso propósito original era criar culturas, construir civilizações – nada mais”[3]
            O mandato cultural implica na redenção de culturas inteiras. O vocábulo dominar, empregado aqui nesta passagem, indica a ideia de “capacidade real e supervisão”. A palavra hebraica empregada “ וְיִרְדּוּ ”(veiredu) que vem da raiz “hdr” (radar) que tem o sentido de “governar, dominar” e até “subjulgar”[4]. Sabemos que em “Gênesis 1.26, 28, o verbo ocorre com um sentido positivo quando se declara que a humanidade, criada à imagem de Deus, deve subjugar a terra e reinar sobre (rdh) todos os animais. À espécie humana é dada a responsabilidade sobre a criação de Deus, como fica evidente pelo fato de que esse comando é parte da bênção de Deus (1.28)”[5].
            Devemos ressaltar que o uso do verbo dominar aqui não consistia em uma “licença para a humanidade abusar das ordens da criação”, mas pelo contrário ele deveria “ser apenas um vice-regente de Deus, e a ele, tinha de prestar contas”.[6] O aspecto da “Imago Dei” é a força propulsora para o conceito do mandato cultural na esfera do domínio neste mundo.
            Ao estudarmos sobre este mandato aprendemos que o homem é chamado para santificar e colocar cada esfera de sua vida, sua educação, seus recursos nas mãos de Cristo; e, feito isso, saber administrar cada área já mencionada para a glória de Deus neste mundo. Nancy Pearcey nos alerta: “A lição do mandato cultural é que nosso senso de cumprimento depende de nos dedicarmos ao trabalho criativo e construtivo”.[7] A isso nós chamamos de redenção cósmica. Deus nos deu este mandato para exercermos o domínio nas mais diversas áreas do saber; e para o resgate das culturas para a glória dele somente.

II – O MANDATO SOCIAL
            O segundo mandato a ser considerado é chamado de Mandato Social. Van Groningen vai dizer que este mandato pactual “fala das relações sociais’[8]. Este mandato está fundamentado em Gênesis 2.21-24:
Então, o SENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com carne. E a costela que o SENHOR Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe. E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada. Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne.
Temos a estrutura familiar estabelecida. A família é ordenada em termos de um desapegar-se  e unir-se a outrem. Embora, já tenhamos considerado que um dos aspectos do mandato cultural é a criação familiar. Isto se torna evidente por causa da ordem divina de haver uma “fecundação e multiplicação” em Gênesis 1.26-28; todavia, esta ordem da formulação familiar está pertinentemente estabelecida aqui neste trecho de Gênesis 2.21-24.
A criação da mulher tem como objetivo evitar a solidão de Adão. O princípio extraído aqui é que o homem não é uma ilha, isolada, sozinha sem relação com outros. O companheirismo é algo que Deus prima em sua criação – o casamento não deve ser uma prisão para os solteiros, mas a liberdade da amizade e cumplicidade matrimonial.
Longman III tem uma palavra muito significativa sobre esta realidade e declara que o “casamento envolve um homem e uma mulher deixarem os pais e constituírem uma nova unidade familiar”.[9] Van Groningen novamente nos diz que este “mandato pôde ser dado porque Deus criou a humanidade à sua imagem e semelhança e como macho e fêmea. O relacionamento tinha que ser visto como um de igualdade diante de Deus”.[10]Aqui aprendemos que a organização familiar exige uma relação heterossexual. Adão se une a sua mulher. E não a outro homem, nem mesmo uma mulher se une a outra. Mas o que está escrito é que “macho e fêmea” formam uma unidade neste mandato.
Em Gênesis 1.28 temos a extensão deste mandato de forma interessante. A finalidade na geração de filhos e filhas para cumprir este mandato pactual era de capital importância. “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra”. O verbo fecundar que aparece no texto no hebraico é “פְּר֥וּ” – peru – tem o sentido de “frutificar”. O mandato social estabelece uma necessidade que o homem tem constituir familias e sociedades para cumprir a ordem original de Deus dada à raça humana. O homem deveria continuar sua posição de dominio social com a perpetuação de sua prole.
III – O MANDATO ESPIRITUAL.
            O terceiro aspecto a ser considerado é o Mandato Espiritual. Envolvia comunhão e obediência a Deus. Esta comunhão estava marcada pelo dia de adoração ao soberano de todas as coisas. Conforme vemos em Gênesis 2.1-4:
Assim, pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército. E, havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fizera. Esta é a gênese dos céus e da terra quando foram criados, quando o SENHOR Deus os criou.
            O conceito embrionário de um dia descanso esta alicerçado nesta passagem que evoca a comunhão primeva que o casal Adão e Eva desfrutavam com Deus. O shabbath de Deus entra em ação na narrativa bíblica “וַיִּשְׁבֹּת֙ ” ao trazer o sábado à existência Deus estava condescendo ao homem para que este pudesse desfrutar de uma comunhão intima e pessoal com Deus.
            Devemos lembrar que a guarda do sábado estava ligada aos dois mandatos pactuais anteriores:
A convicção que a guarda do sábado é uma obrigação perpétua se baseia em parte na instituição do sábado em Gênesis 2.1-3. Juntamente com o trabalho (Gn. 1.24; 2.15) e o casamento (Gn. 2.18-25), Deus instituiu o sábado para governar a vida de toda a humanidade. Assim como são permanentes as ordenanças do trabalho e do casamento, assim é a ordenança do sábado”.[11]
            No mandato espiritual ou de comunhão o homem é criado para que possa deleitar-se no dia que Deus separou para ele. Esta comunhão com Deus se dava no ambiente litúrgico.
            Ainda neste mandato estava envolvida a ideia de obediência perene a Deus conforme vemos em Gênesis 2.16-17:
E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.
            Aqui temos o homem sendo chamado a pactuar com Deus. Este pacto tem sido considerado como pacto das obras, e parece-nos, que alguns sugerem que Adão deveria obedecer este pacto para obter vida eterna. Todavia, alguns preferem chama-lo de pacto de vida; e por quê? A resposta é simples aqui Deus não lhe promete a vida, mas lhe assegura da morte certa caso o desobedeça.
            A vida marcada pela comunhão com Deus e por uma espiritualidade autêntica. Adão deveria preservar essa comunhão que implicava em vida; todavia, este homem deliberadamente decide violar o pacto, violar a comunhão e em resposta a esta rebeldia ele recebe a morte.[12]
            Este mandato pactual implica numa vida de obediência e adoração a Deus de forma inegociável. O homem foi criado para glorificar a Deus e se deleitar nele, e isto é feito mediante a obediência irrestrita a Palavra de Deus bem como em celebração litúrgica a Deus.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
            Na Teologia Reformada este tema dos Mandatos Criacionais é amplamente desenvolvido, todavia, é pouco aplicado e lecionado à igreja de Cristo. Podemos, ver nesta breve introdução o quão é importante para a vida e maturidade da igreja. Vimos neste estudo que a ordem para governar a terra tem sido negligenciada pela igreja de nossos dias; bem como a preservação das relações sociais hoje é ameaçado pela criação de leis contrárias a Palavra de Deus.
            No espectro espiritual podemos tirar como implicação o fato da fraqueza e letargia da igreja deve-se ao fato da negligência profunda de uma comunhão autêntica com Deus no dia do Senhor (domingo ou sábado cristão); pois, a igreja de hoje está caminhando para o secularismo, individualismo e pragmatismo – o divino não ocupa, mas a centralidade na vida das pessoas; a comunhão virou apenas temas de sermões para o final de ano, pois, cada qual vive no seu mundo sem viver a comunhão dos santos e a igreja tem empregado esforços para que haja resultados imediatos – negligenciando o crescimento saudável da igreja por meio do culto corporativo no dia do Senhor.
            Devemos reconhecer que fomos e somos criados para a obediência irrestrita a Deus e nos deleitarmos nele; devemos cumprir os nossos papéis originais intencionados por Des para a nossa vida. Deus nos criou para que tivéssemos o domínio sobre este mundo como vice-regentes, reconhecendo que cada espaço na criação é reclamado por Cristo como sendo de sua exclusiva propriedade.
            Neste processo devemos trazer à mente e ao coração que as nossas famílias são também projetos de Deus para nós, constituir famílias está atrelado à intenção original de Deus para a humanidade. A sociedade necessita de famílias equilibras e tementes a Deus o casamento e a procriação de uma descendência santa são alicerces fundamentais para a construção de uma sociedade justa.
            Por fim, devemos trazer ao coração que aquilo que confere sentido à existência é eterno e imperecível, por isso, devemos reservar um tempo para a contemplação e adoração ao Deus eterno que tudo criou. O encontro com Yahweh no seu dia é de capital importância para nós, pois, é no culto onde a nossa alma é alimentada e alentada pela Palavra imperecível de Deus. O culto familiar, o culto individual e o público são oportunidades únicas de um deleitoso prazer em Deus.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1.      GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação – O Reino, a Aliança e o Mediador. Tradução: Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, volume 1.
2.      ____________________. Revelação Messiânica no Antigo Testamento. Tradução: Cláudio Wagner. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
3.      KAISER JR., Walter C. O Plano da Promessa de Deus – Teologia Bíblica do Antigo e Novo Testamentos. Tradução: Gordon Chown, A.G. Mendes. São Paulo: Vida Nova, 2011.
4.      KILPP, Nelson. Dicionário Hebraico-Portugês e Aramaico-Português. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 1987.
5.      LONGMAN III, Tremper. Como Ler Gênesis. Márcio Lourenço. São Paulo: Vida Nova, 2009.
6.      PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta – Libertando o Cristianismo de seu Cativeiro Cultural. Tradução: Luis Aron. Rio de Janeiro: CPAD, 2011.
7.      PIPA, Joseph. O Dia do Senhor. Tradução: Hope Gordon Silva. São Paulo: Os puritanos, 2000.
8.      VANGEMEREN,Willem A.(org.) Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. Tradutor: Afonso Teixeira Filho e outros. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p.1052.
9.      VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica – Antigo e Novo Testamentos. Tradução: Alberto Almeida de Paula. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

           










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* O autor é Ministro da Palavra pela Igreja presbiteriana do Brasil. Atualmente é pastor na Primeira Igreja Presbiteriana de Piripiri – PI. Formou-se em Teologia Reformada no Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) em Recife- PE. Foi professor de línguas bíblicas (Grego e Hebraico) no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil (SPFB) Recife – PE. É casado com Géssica Araújo Soares Nascimento de França e é pai de Lucas Luis Nascimento de França.
[1] VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica – Antigo e Novo Testamentos. Tradução: Alberto Almeida de Paula. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p.16.
[2] GRONINGEN, Gerard van. Revelação Messiânica no Antigo Testamento. Tradução: Cláudio Wagner. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.100.
[3] PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta – Libertando o Cristianismo de seu Cativeiro Cultural. Tradução: Luis Aron. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p.51.
[4] KILPP, Nelson. Dicionário Hebraico-Portugês e Aramaico-Português. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 1987, p.223.
[5] VANGEMEREN,Willem A.(org.) Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. Tradutor: Afonso Teixeira Filho e outros. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p.1052.
[6] KAISER JR., Walter C. O Plano da Promessa de Deus – Teologia Bíblica do Antigo e Novo Testamentos. Tradução: Gordon Chown, A.G. Mendes. São Paulo: Vida Nova, 2011, p.39.
[7] PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta – Libertando o Cristianismo de seu Cativeiro Cultural. Tradução: Luis Aron. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p.53
[8] GRONINGEN, Gerard van. Revelação Messiânica no Antigo Testamento. Tradução: Cláudio Wagner. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.100.
[9] LONGMAN III, Tremper. Como Ler Gênesis. Márcio Lourenço. São Paulo: Vida Nova, 2009, p.132.
[10] GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação – O Reino, a Aliança e o Mediador. Tradução: Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, volume 1, p.91.
[11] PIPA, Joseph. O Dia do Senhor. Tradução: Hope Gordon Silva. São Paulo: Os puritanos, 2000, p. 29.
[12] Cf. GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação – O Reino, a Aliança e o Mediador. Tradução: Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, volume 1, p.92.