DISCIPLINA:
HERMENÊUTICA
Prof. Rev . João França.
AULA – 02 – A NECESSIDADE DA
HERMENÊUTICA.
Introdução:
No estudo da interpretação
bíblica devemos considerar alguns aspectos importantes para uma hermenêutica
adequada da Palavra de Deus. Uma das dificuldades que encontramos hoje na vida
da Igreja é certamente a falta de compreensão sobre quem realmente necessita da
Hermenêutica Bíblica.
Nesta aula nós iremos analisar de
perto a questão da necessidade desta
disciplina na vida da igreja de Cristo. Todos nós interpretamos o mundo que nos
cerca, conforme vimos na aula anterior. Pois, todos nós temos pressupostos na
leitura das Escrituras.
I – QUEM PRECISA DE
HERMENÊUTICA?
Esta é uma daquelas questões que
não deveria ser suscitar debates. Uma
vez que todos nós, de modo ou de outro, somos intérpretes de tudo o que nos
cerca. Mas, interpretar a Bíblia? Ora, por que há essa necessidade de
interpretar as Escrituras? Muitos cristãos dizem que não precisam estudar
hermenêutica, ou seja, julgam que não precisam dela.
Os que pensam na necessidade da
disciplina hermenêutica argumentam que a Bíblia é um livro divino, e assim, “exige
de nós algum treinamento especial para entendê-la”.[1],
mas, tal resposta deixa-nos em uma situação paradoxal, conforme nos lembra
AlonsoSchökel: “Se alguém é capaz de falar de maneira absolutamente clara e
tornar-se compreensível com eficácia irresistível, esse tal é Deus; portanto,
se há alguma palavra que poderia não exigir hermenêutica, essa seria a palavra
divina”.[2]
E, é exatamente neste lado do pêndulo que muitos se agarram, especialmente
quando se conhece a doutrina protestante da perspicuidade
das Escrituras [clareza das
Escrituras] e dizem que em si mesmas as Escrituras são claras. E o que decorre
disso é a negação da Hermenêutica Bíblica. Tal postura nega a importância da
interpretação dos textos sagrados.
Osborne alerta:
A hermenêutica é importante porque capacita a pessoa a
se movimentar do texto para o contexto, para que o significado inspirado por
Deus na Bíblia fale hoje com uma relevância tão nova e dinâmica quanto em seu
ambiente original. Além disso, pregadores ou professores devem anunciar a
Palavra de Deus em vez de suas opiniões religiosas repletas de subjetividade.
Só uma hermenêutica bem definida pode manter alguém atrelado ao texto.[3]
Mas, um ponto importante não é fato que as escrituras
precisam ser interpretadas por causa de sua natureza divina, mas exatamente por
causa do seu lado humano. As Escrituras são apropriadamente chamada “palavra
divina em palavras humanas” [4]
Esta necessidade interpretativa é necessária exatamente porque a linguagem
humana é “equivoca”[5] A linguagem humana tem
gerado muitos mal-entendidos, e por esta, razão se faz necessário o estudo da
hermenêutica.
II – AS RAZÕES PARA A
NECESSIDADE DA HERMENÊUTICA:
Consideremos neste momento as razões pelas quais se
justifica a necessidade da hermenêutica.
2.1
– A Corrupção Natural do Homem:
Um dos aspectos fundamentais para a
necessidade da interpretação é a condição espiritual do homem. O homem depois
da queda possui os “olhos do entendimento” entenebrecido (Efésios 4.17-18) – observemos
a expressão: “entenebrecido no entendimento”[ ἐσκοτωμένοι τῇ
διανοίᾳ- eskotômenoi tê dianoia]
aponta para o fato de que a mente do homem
foi afetada pela queda. Logo, ele não consegue compreender adequadamente
a Palavra de Deus. A evidência textual desta necessidade é certamente 1ª
Coríntios 2.14-15 – o homem natural não pode entender as realidades
espirituais.
2.2
– O Abismo Cultural:
Precisamos saber interpretar a Bíblia para superar o Abismo Cultural. A Bíblia como livro
vindo da lavra humana tem perspectivas culturais significativas. Ler o livro de
Gênesis e perceber fatos como no capítulo 15 - o dividir os animais ao meio - e
saber que culturalmente era assim que se processava na cultura de então ao
afirmar uma aliança; ajuda-nos a entender porque Deus não permitiu que o patriarca
passe no meio daqueles pedaços partidos. Alguém já disse que cada “um de nós vê
a realidade através dos olhos condicionados pela cultura e por uma variedade de
outras experiências.”[6]
2.3
– O Problema da Língua:
A Bíblia foi escrita em outra língua que não é a
nossa. As Escrituras foram redigidas em três idiomas diferentes e até
desconhecido para a maioria de nós:
Estes são os principais elementos importantes para
justificar a necessidade da Hermenêutica Bíblica.
III – A HERMENÊUTICA LIVRE
DE PRESSUPOSTOS: É POSSÍVEL?
A grande pergunta que precisamos
fazer ao estudar o tema da necessidade da Interpretação Bíblica. É aquela que
questiona: É possível interpretamos a Palavra de Deus livre de pressupostos?
A resposta a esta indagação é negativa.
Ainda que os adeptos da Escola Racionalista de Interpretação (Método
Histórico-crítico) cheguem a afirmar que “a exegese bíblica deve ser praticada
de modo neutro, isento de pressuposições teológicas apriorísticas”[7],
entretanto, tal tese não se sustenta. Pois, as pressuposições ocupam um lugar
bastante importante no processo interpretativo, o pressuposicionalismo desenvolvido
por Vantil e Kyper revelam esta verdade.[8]
Que pressuposições devemos ter ao nos aproximar da Bíblia para o processo de
interpretação?
3.1
– A Doutrina da Revelação:
A ideia de que Deus se revela nas obras da criação é o
pressuposto capital para o processo interpretativo das Escrituras (Salmos
19.1-4; Romanos 1.18-20), neste aspecto podemos dizer que a criação que uma revelação natural de Deus o livro no qual Deus revela quem ele é como
criador. Este aspecto da revelação não salva ninguém; mas, aprove a Deus
revelar-se diretamente, e a assim se procedeu por meio do Seu Espírito Santo,
por Revelação direta, por teofanias, por anjos, sonhos, visões, inspiração e
Seu Filho Jesus(Ex. 3. 16; Sl 147. 19, 20; Hb. 1. 1,2; Gl. 1. 11, 12). Deus não
é o totalmente oculto, mas é o que se revela nas obras da criação e da
providência (veja-se a Confissão de Fé de Westminster Capítulo 1.1).
Levemos em consideração que a forma de Deus comunicar
a obra redentora é por meio da Revelação Especial (Escritura Sagrada) conforme
vemos em 1ª Timóteo 3.15 e 2ª Timóteo 3.15-16.
3.2
– A Doutrina da Inspiração Verbal e
Plenária das Escrituras:
Outro pressuposto que devemos ter
antes de irmos ao processo interpretativo do texto das Escrituras; é aquele que
declara ser a Bíblia plenamente soprada pelo Espírito Santo. Paulo Anglada
lembra-nos que a “doutrina da inspiração é a pressuposição bibliológica fundamental
da hermenêutica reformada.”[9]
Esta doutrina é o “fundamento da
hermenêutica e exegese”[10]
da Reforma. A própria Escritura (Evidência Interna) dá testemunho de si como
inspirada por Deus (Ex. 4. 22; Jz 6. 8; Is 43. 14; ISm 15. 23; Jr. 1. 4; Mt 5.
17, 17; Jo10. 35; Hb. 3. 7ss).
3.3 – A Doutrina da
Autoridade das Escrituras:
Outro pressuposto importante é a
compreensão de que as Escrituras possuem plena autoridade sobre a vida da
igreja e sobre aquele que interpreta a Bíblia Sagrada. Esta doutrina é de
fundamental importância para aqueles que pretendem estudar e interpretar as
Escrituras Sagradas.
Aquilo que nós compreendermos sobre
a autoridade absoluta das Escrituras fará toda diferença no estudo hermenêutico
das Escrituras. Packer vai nos dizer que a autoridade das Escrituras “repousa na inspiração” [11].
A Bíblia guia a nossa vida e dita a forma como devemos ver e adorar a Deus
naquilo que ele requer de nós. Cristo sempre apelou para as Escrituras como a
um tribunal supremo. Em qualquer controvérsia ele usava a expressão “está escrito”
indicando que a palavra final deve ser dada a Palavra inspirada por Deus.
Vejamos isso detalhadamente em Mateus 4.4,6,710.
Cristo ao usar a expressão“esta escrito” usa a forma verbal em grego
“ge,graptai” – gégraptai –e um verbo no perfeito que
indica uma ação continua, significando “permanece escrito, então,
o Senhor Jesus esta apelando para a autoridade da Biblia como fonte autorizada
da verdade
3.4 – A doutrina da
Suficiência das Escrituras:
Ao interpretarmos as Escrituras
devemos considerar que elas são profundamente suficientes para a vida e piedade
do crente. O lema Sola Scriptura
aponta para a realidade de uma Bíblia suficiente.
Mas, o que é essa doutrina? A
resposta mais simples e clara que podemos oferecer a esta pergunta e que o “Sola Scriptura ensina que a Bíblia regula a
vida em sua totalidade”[12]
a Confissão de fé fala-nos do quanto as Escrituras sao realmente suficientes
para a igreja. Os teólogos puritanos declaram: “Todo o conselho de Deus concernente a todas
as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e
vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser
lógica e claramente deduzido dela.” (CFW – capítulo 1.
Seção 6) – veja-se: 2ª Tim.3.15-17.
Aqui nós temos um conceito
subjacente ao Sola Scriptura [Somente a Escritura] que é o de Toda
Scriptura [ Toda Escritura], também desenvolvido na reforma protestante; e,
de Acordo com Fred Klooster, “este ponto de vista a
respeito da Escritura como “única e completa’
(sola e tota Scriptura) é exclusivamente reformado”[13]
Então, ao interpretamos o texto sagrado devemos ir até
uma Bíblia suficiente. Não estamos interpretamos um documento incompleto,
imperfeito que precisa ser adicionado com outros ditos, ou com novas
revelações; o estudo sério e laborioso das Escrituras se torna compensador
quando pressupomos que estamos diante da vontade suficiente de Deus apresentada
nas Escrituras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. ALONSO-SCHÖKEL, Luis. Hermenéutica de la Palavra. Madrid: Cristandad,
1986, volume 1.
2. ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução à Hermenêutica Reformada.
Anamindeua: Knox Publicações, 2006.
3.
BEEKE, Joel. R. Vivendo para a Glória de Deus – Uma Introdução à Fé
Reformada. Tradutor: Francisco Wellignton Ferreira. São Paulo: Editora
Fiel, 2010.
4. DIAS. Cassio Murilo. Manual de Exegese Bíblica. São Paulo:
Paulinas, 2006
5. KAISER JR, Walter C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São
Paulo: Cultura Cristã, 2002.
6. OSBORNE, Grant. R. A Espiral Hermenêutica. São Paulo: Vida
Nova, 2009.
7. PAKER, James I. Vocábulos de Deus. São Paulo: Fiel, 2002.
8. SCHWERTLEY, Braian. M. Sola Scriptura
e o Princípio Regulador do Culto. Tradutor: Marcos Vasconcelos. São Paulo: Editora
os Puritanos, 2000.
9. VIRKLEY, Henry. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987.
[1] KAISER JR, Walter C.;
SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica
Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 14.
[2]ALONSO-SCHÖKEL, Luis. Hermenéutica de la Palavra. Madrid:
Cristandad, 1986, volume 1, p.83.
[3] OSBORNE, Grant. R. A Espiral Hermenêutica. São Paulo: Vida
Nova, 2009, p. 27.
[4] DIAS. Cassio Murilo. Manual de Exegese Bíblica. São Paulo:
Paulinas, 2006, p. 11
[5] KAISER JR, Walter C.;
SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica
Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 14.
[6] VIRKLEY, Henry. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida,
1987, p 12
[7] ANGLADA, Paulo Roberto
Batista. Introdução à Hermenêutica
Reformada. Anamindeua: Knox Publicações, 2006, p.18.
[8] Veja-se KAISER JR, Walter
C.; SILVA, Moisés. Introdução à
Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 222-223.
[9] ANGLADA, Paulo Roberto
Batista. Introdução à Hermenêutica
Reformada. Anamindeua: Knox Publicações, 2006, p.136.
[10] Ibid, p.137.
[11] PAKER, James I. Vocábulos de Deus. São Paulo: Fiel,
2002, p. 33.
[12] SCHWERTLEY, Braian. M. Sola
Scriptura e o Princípio Regulador do Culto. Tradutor: Marcos Vasconcelos.
São Paulo: Editora os Puritanos, 2001, p.1.
[13] Apud¸ BEEKE, Joel.
R. Vivendo para a Glória de Deus – Uma Introdução à Fé Reformada. Tradutor:
Francisco Wellignton Ferreira. São Paulo: Editora Fiel, 2010, p. 150