Rev. João Ricardo Ferreira de França.*
Um escritor contemporâneo diz que a “marca do culto reformado é sua saturação das Escrituras”.[1] Ou seja, o Culto presbiteriano é eivado das Escrituras. A “adoração não deve somente ser governada pela Palavra, ela tem de estar saturada da Palavra”. [2] Isto nos leva para duas ideias importantes sobre a presença da Palavra de Deus no culto: 1) Proclamação Anagnóstica; 2) Anúncio kerygmático.
I – A PROCLAMAÇÃO ANAGNÓSTICA:
A leitura da palavra é conhecida
como proclamação anagnóstica. O que isto significa? A palavra “anagnóstica” deriva do verbo grego “anagno,skw”[anagnoskô] que significa “eu
leio em voz alta”. Refere-se à leitura litúrgica na igreja como um ato
fundamental do culto cristão. È claro que está prática a igreja cristã herdou
do judaísmo conformo nos informa Lucas 4.16: “Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga,
segundo o seu costume, e levantou-se para ler.”
Na passagem citada podemos notar a
herança da sinagoga, no que respeita à proclamação anagnóstica, para a igreja cristã primitiva. Essa prática
“encontramos em São Paulo a exortação a que se leiam suas cartas quando das assembléias
litúrgicas”[3].
Conforme podemos comprovar na passagem de Colossenses 4.16: “E, uma vez lida esta epístola perante vós,
providenciai por que seja também lida na igreja dos laodicenses; e a dos de
Laodicéia, lede-a igualmente perante vós.”
a)
Lectio Continua: a pergunta que tipo
de leitura deve ser lida? A primeira proposta, que tem o uso mais histórico, é
a leitura continua que consiste na leitura de um livro completo das Escrituras
no decorrer das celebrações litúrgicas.
b)
Lectio Selecta: consiste na seleção
de passagens que escolhemos para a leitura durante o culto – isto é mais novo,
e tem uma função sistemática, geralmente ligada ao tipo de pregação quer será
ministrada.
c)
Quem deve ler as Escrituras na liturgia?
O nosso Catecismo Maior de Westminster nos oferece uma resposta:
156. A
Palavra de Deus deve ser lida por todos?
Resposta: Embora
não seja permitido a todos lerem a Palavra publicamente à congregação,
contudo os homens de todas as condições têm obrigação de lê-la em particular
para si mesmos e com as suas famílias; e para este fim as Santas Escrituras
devem ser traduzidas das línguas originais para as línguas vulgares.
A posição reformada que nem todos
devem ler as sagradas Escrituras publicamente[4]. Isso
nos leva para aquela ideia da leitura responsiva que estamos tão acostumados em
nossas igrejas, é bom que saibamos que está uma prática relativamente nova e
não fazia parte da tradição presbiteriana histórica.
Em seu comentário ao Cartecismo
Maior o Dr. Vos declara o seguinte:
Ler a Escritura “em público para a congregação” faz
parte da condução da adoração pública de Deus e deve, portanto, ser feita
apenas pelos que foram devidamente chamados para este ofício na igreja. É claro
que na falta de um ministro ordenado ou licenciado os presbíteros da igreja
podem indicar alguém apropriadamente para ler as Escrituras e conduzir uma
reunião de oração ou reunião comunitária. O que catecismo nega é que qualquer
crente em particular possa legitimamente tomar para si a condução do culto
público sem que para isso seja indicado por aqueles cujo ofício é dirigir a
casa de Deus.[5]
A
palavra de Deus se faz presente no culto público também por meio de sua
proclamação audível. Chamamos de proclamação catequética ou anúncio kerygmático
– a pregação da palavra em si.
Não
podemos falar sobre este assunto sem entendermos como a História da Igreja o
encarou, ou seja, como a Igreja viu a questão da pregação fiel da palavra? No
texto que lemos em 1ª Coríntios 1.18-25
Paulo valorizava a pregação oferecendo conotações dramáticas. O que é a
pregação? Stott nos diz que é “a ênfase exclusiva do cristianismo” [6].
Por
onde começar a nossa peregrinação histórica da pregação? Dargan nos indica que
tal procura deve ser vista no próprio cristo, pois, o “Fundador do
cristianismo, pessoalmente, foi o primeiro dos seus pregadores...” [7]
os evangelhos apresentam cristo como indo e “proclamando as boas-novas de Deus”
(Mc. 1.14; 1.39; Mt.4.17; 4.23; 9.35).
Somos
informados pelas Escrituras que os apóstolos davam prioridade à pregação da
Palavra em Atos 6.4.
Mas,
surge-nos uma questão quem deve pregar a Palavra de Deus publicamente à congregação? O Catecismo Maior
apresenta-nos uma resposta:
PERGUNTA 158: Por quem deve ser pregada a
Palavra de Deus?
RESPOSTA: A Palavra de Deus deve ser pregada somente pelos que foram
suficientemente dotados e devidamente aprovados e chamados para tal ofício. O
Dr. Vos comentando a pergunta 158 do Catecismo Maior de Westminster lembra-nos
que:
Quem
não for ministro ordenado ou licenciado pode testemunhar de Cristo em
particular ou em público, conforme a oportunidade o permita, mas a pregação
pública oficial da Palavra na Igreja deve ser feita apenas por aqueles
devidamente separados para esta obra. Claro está que a pregação da Palavra é
uma obra de importância muito grande. São necessárias as qualificações
apropriadas para que seja feita de maneira adequada. Há qualificações
espirituais, intelectuais e educacionais sobre as quais se deve insistir para
que a igreja tenha um ministério adequado. [8]
David Martyn Lloyd-Jones nos lembra algo interessante
sobre este assunto:
[...] Quem deve realizar a Pregação? O primeiro princípio
que gostaria de afirmar é que nem todos os crentes são destinados a fazer isso, nem todos os homens crentes
devem pregar, e de maneira alguma as mulheres! Noutras palavras, precisamos
considerar o que se chama ‘pregação leiga’. Isto já vem sendo praticado de modo
bastante comum há cem anos ou mais. Antes, era uma prática comparativamente
rara, mas hoje é muito comum. Seria interessante examinamos a história dessa
prática, mas o tempo impede de fazê-lo. Novamente, o mais interessante a ser
observado é que esta mudança resultou de causas teológicas. Foi a mudança na
teologia do século passado, de uma atitude reformada e calvinista para uma
postura essencialmente arminiana, que
provocou o aumento da pregação de leigos. A explicação dessa causa e efeito é que,
em última análise, o arminianismo é não-teológico. Eis porque a maioria das
denominações evangélicas da atualidade
são igualmente não-teológicas. Sendo esse o caso, não deve nos surpreender o
fato de que predominem em nossos dias o ponto de vista de que a pregação está
aberta a todo homem e posteriormente, a qualquer mulher. Minha asserção é que esta é uma
perspectiva antibíblica sobre a pregação.[9]
O uso
do verbo relacionado a esta função de arauto “kerussw”- keryssô – e na leitura que fazemos do Novo Testamento nós
percebemos o seguinte que o uso deste verbo se aplica:
a) Apenas a Cristo ou a alguém comissionado por Deus
para o ministério da pregação ( Romanos 10.15;
pois, somente estes têm a autoridade divina de se apresentar publicamente para
falar em nome de Deus.
b) Nos Evangelhos apenas João Batista é assim
apresentado como proclamador enviado da parte de Deus(Mt 3.1: Mc. 1.4; Lc.3.3)
– sendo ele um profeta do antigo pacto.
c) Jesus é apresentado como o proclamador supremo
(Mt.4.17,23;9.35;11.1; Mc1.14,38,39; Lucas 4.18,19,44.8.1)
d) Os apóstolos comissionados por Jesus (Mt.10.7,27; Mc 3.14; 6.12; 16.15,20; Lc.9.2; 12.13.).
*
O autor é Ministro da Palavra pela Igreja Presbiteriana do Brasil. Formado em
Teologia Reformada pelo Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) em Recife – PE. Foi professor de
línguas bíblicas (Grego e Hebraico) no Seminário Presbiteriano Fundamentalista
do Brasil (SPFB) em Recife - PE. É o fundador do Centro de Estudos
Presbiteriano. Atualmente é pastor da Primeira Igreja Piripiri – PI. É casado
com Géssica Araújo Soares Nascimento de França. E possui um filho Chamado de
Lucas Luis Nascimento de França Contatos: E-mail: jrcalvino9@hotmail.com /
jrcalvino9@gmail.com
Fones: (89) 9930-6717 [número Tim]
[1]
HYDE, Daniel R. O que é um Culto
Reformado? Tradução:Josafá
Vaconcelos. Recife: Editora Os puritanos / Clire, 2012 , p.15
[2]
JOHNSON, Terry L. Adoração Reformada - A
adoração que é de Acordo com as Escrituras. Tradução: Josafá Vaconcelos.
Recife: Editora os Puritanos, 2001, p.40.
[3]
ALLMEN, J.J. Von. O Culto Cristão
Teologia e Prática. Tradução: Dírson Glênio Vergara dos Santos. São Paulo:
ASTE, 2006, p. 129.
[4]
O entendimento é que apenas o Ministro da Palavra [Presbítero Docente = Pastor]
é quem deve fazer a leitura Pública à congregação, pois, a leitura da palavra
faz parte do ministério pastoral.
[5]
VOS, Johannes Geerhardus. O Catecismo
Maior de Westminster Comentado. Tradução: Marcos Vasconcelos. Recife: Os
Puritanos / Clire, 2007, p.499.
[6]
STOTT, John. Eu Creio na Pregação, Tradução: Gordon Chown São Paulo:
Vida, 2003, p.15
[7] DARGAN, E.C. History of Preaching,
p.7, vol. II In: STOTT, John. Eu
Creio na Pregação, São Paulo: Vida, 2003, p.17.
[8]
VOS, Johannes Geerhardus. Catecismo Maior
Comentado. Tradução: Marcos Vasconcelos. Recife: Editora Os Puritanos /
Clire, 2007, p.508.
[9] LLOYD-JONES, David Martyn. Pregação e Pregadores. Tradução: João
Bentes Marques. São Paulo: Editora Fiel,
2008, p.97-98